No dia 6 de novembro aconteceu, no Rio de Janeiro, a nona edição do Fórum…
Câncer e a Dor Oncológica
Atenção pacientes e profissionais da saúde: é muito importante que ela seja tratada e exterminada. Tanto quanto o próprio câncer
Dor. De acordo com o dicionário Houaiss, “sensação física desagradável do organismo, causada por choque, doença etc.”. Já o médico da clínica de dor do Hospital Moinhos de Vento de POA, Dr. João Marcos Rizzo, liga a dor não só ao lado físico: “Dor é a experiência de sofrimento físico e emocional, nunca só físico ou só emocional. Às vezes um é maior que o outro, mas ambos andam juntos”.
Mas explicar o que é sentir dor não é igual a sentir dor. Apenas quem já sentiu dor extrema devido a um ferimento, procedimento ou doença como o câncer sabe exatamente o mal que ela faz. E isso em muitos sentidos. Há, inclusive, pacientes que desistem do tratamento contra o câncer por causa da dor extrema que sentem, causada seja pelos procedimentos seja pela doença.
“Dor é um dos sintomas que gera maior sofrimento. Ela é incapacitante e sua intensidade e frequência vão ‘minando’ a energia e a capacidade de enfrentamento do paciente. Saber que tal procedimento causará dor desencadeia uma reação de proteção, de defesa. E quando a dor é persistente imprime um registro psíquico de experiência desagradável, dilacerante e com isso alguns pacientes acabam resistindo a alguns procedimentos que seriam chave para o tratamento pelo medo de sentir dor”, explica a psicóloga Débora Genezini.
A dor no câncer
“Temos tentado trocar o termo ‘dor oncológica’ por dor relacionada ao câncer, porque no fundo ela é igual a qualquer outra dor, só as causas são diferentes”, diz o Dr. Rizzo, que atenta para um fator singular que ocorre nesse tipo de tratamento. “Geralmente o paciente que tem o diagnóstico logo após o sintoma da dor, vai ter dor durante todo o tratamento. Consequentemente, para ele dor será igual a ter câncer. Ainda que não seja verdade. Muitas vezes ela ocorreu por lesão óssea, ou mesmo com o câncer já controlado, mas ele relaciona dor à derrota frente à doença. Por isso é primordial tratar essa dor para seguir com o tratamento.”
Outro ponto importante é que a dor da maioria dos pacientes de câncer é crônica, não aguda, e é essencial conhecer os sintomas, que nesse tipo de dor são diferentes: “Em determinado ponto o paciente se acostuma com a dor, ainda que sofra, então parte para comportamentos de isolamento, irritabilidade, distanciamento social, muitas vezes já nem chora e quase não se queixa e quando o faz é mais depressivamente. E não é pela falta do choro ou desespero, presentes na dor aguda, que essa pessoa deva ter sua dor negligenciada, seja pela equipe médica ou por seus familiares.”
Não é manha, é dor!
Sim, há pacientes que exageram no relato da dor, principalmente aqueles que tem uma personalidade mais derrotista. Mas a grande maioria diz a verdade quando fala sobre sua dor, e não acreditar ou minimizar o sofrimento desse paciente é o maior erro que se pode cometer nesse processo.
“Já citei que a dor é uma experiência física e emocional, e o quanto de cada difere entre as pessoas, mas tudo faz parte da dor. Um paciente pode ter 90% de dor emocional e 10% de dor física, e o seu sofrimento é exatamente o mesmo de quem tem 90% de dor física e 10% de dor emocional. Por isso todo paciente precisa ter sua dor tratada, não compete a nós definir quem está exagerando ou não, e sim escutá-los, examinar os efeitos dessa dor e dar início ao tratamento que irá acabar com ela”, diz o Dr. Rizzo.
Claro que, como toda doença, dores distintas exigem tratamentos distintos. Além de dividida em crônica e aguda, ela pode ser de três origens: visceral (dor nos órgãos internos, como pulmão, rim, intestino, fígado etc.), somática (dor nos ossos, muscular, nas articulações, mialgias) ou neuropática (dor por lesão de nervos, causada pela invasão do tumor ou no pós-cirúrgico por ter atingido nervos, ou pela invasão medular da metástase). “E com o paciente de câncer o que acontece é que na maioria das vezes ocorre a dor mista, que envolve dois ou os três desses componentes, dificilmente só um. Por isso o que os médicos devem ter em mente é usar todos os recursos disponíveis para tratar a dor”, ele complementa.
Como combater a dor
Para começarmos a falar sobre o tratamento da dor, uma coisa precisa ficar clara: ele exige uma equipe interdisciplinar. “Durante um tratamento oncológico, não se deve perder o foco da causa, de combater uma doença tão grave quanto o câncer, e também não se pode negligenciar dor. Mas elas podem correr em paralelo com o oncologista focando e tratando a doença e outros especialistas de olho exclusivamente na dor. É o que chamamos de unidade de suporte oncológico”, explica o médico. Segundo ele, o tratamento contra a dor está firmado em três pilares: medicamentos, atividade física e psicoeducação.
O paciente deve reclamar da dor
Se uma pessoa sente dor e não se queixa dela, há duas possibilidades: ou ela não confia que será ouvida (seja pela família ou pelos médicos), ou ela está negligenciando a sua própria dor. “Já ouvi um paciente dizer: ‘Sentir dor significa estar vivo, porque quando não sentir mais dor estarei morto. Para ele a dor tinha essa representa- ção, mas não deixava de ser dor e de fazer mal para seu organismo”, conta a psicóloga Débora.
Outro aspecto importante se refere às crenças e à cultura do doente: “Culturas orientais incentivam uma postura menos queixosa, e a pessoa pode omitir sintomas, por vergonha de demonstrar fraqueza. Da mesma forma, se for seguidora de uma religião como a cristã, por exemplo, na qual se pensa que Jesus ‘sofreu por seus filhos’, ela pode pensar ‘se até ele sofreu, quem sou eu para reclamar?’. Ou um espírita se conformar com a dor uma vez que a sua crença diz que o sofrimento vem para evolução da alma. E por aí vai…”. Vem daí a importância de o paciente ser encorajado a sempre dizer o que está sentindo – e, claro, ser ouvido.
“A equipe precisa legitimar a dor de cada um e tentar ajudá-lo. Se o remédio está em doses adequadas e os tratamentos não medicamentosos bem conduzidos, é preciso avaliar a dimensão emocional e espiritual presente nessa dor. Não olhar e legitimar a dor do outro como algo individual e importante pode fazer com que o paciente omita as queixas, ou ainda com que ele potencialize sua dor como um pedido de ajuda e atenção”, complementa ela, que trabalha com cuidados paliativos e está participando de uma campanha mundial sobre atenção à dor.
Enfim, sem dor!
Proporcionar o alívio da dor é algo que beneficia não apenas o paciente, que, claro, se sente melhor, como a equipe médica que está tratando do combate ao câncer, pois essa pessoa se torna mais colaborativa com o tratamento. “O câncer é uma doença invisível, com a qual o paciente tem que lutar sem ver a cara do inimigo. E a dor se torna como a fotografia desse inimigo, então ao eliminar a dor o paciente fica com a sensação de que está derrotando seu inimigo, se sente mais confiante, mais forte para seguir lutando até o final do tratamento”, diz o Dr. Rizzo.
Como conselho final, ele deixa mensagens para os três lados dessa equação: “Pacientes, relatem sua dor, contem tudo o que sentem, não tenham medo de parecer exagerados se a dor for terrível; ela é sua dor, e merece ser tirada! Familiares, acreditem que a dor é forte, não se desesperem se as reações forem extremas e procurem conhecer ao máximo esse paciente, para ajudar no relato à equipe médica. Médicos, lembrem-se de que não há limite para a queixa do paciente, o que é limitado é o conhecimento médico, portanto, nunca negligenciem a mensagem de dor.”
Fonte: Revista Abrale Online