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Pesquisadores desenvolvem molécula que pode reinventar a cura da leucemia
Descoberta da ‘asparaginase humana’ é o primeiro passo de um caminho de cerca de dez anos para que, caso tudo corra bem, portadores de leucemia aguda possam sofrer menos durante tratamento.
Stephanie Bath de Morais e Tatiana Brasil desenvolveram a ‘asparaginase humana’ (Foto: Fiocruz Paraná/Divulgação)
Pesquisadores do Instituto Carlos Chagas (ICC/Fiocruz) em Curitiba desenvolveram uma mólecula que pode reinventar o tratamento contra alguns tipos de câncer, sobretudo a Leucemia Linfóide Aguda (LLA). A doença atinge principalmente crianças e adolescentes (veja mais abaixo os sintomas).
Tatiana Brasil, Stephanie Bath de Morais e Nilson Zanchin modificaram em laboratório a chamada “asparaginase humana”, uma enzima capaz de controlar a asparagina — aminoácido presente no corpo humano que contribui para desenvolvimento de células cancerígenas.
Há quase 50 anos, desde a descoberta, a asparaginase usada em medicamentos contra a LLA é exclusivamente extraída de bactérias. O método em si é efetivo na cura, mas em 30% dos casos ocorre o que os cientistas classificam como “hipersensibilidade”, quando o corpo entende que há algo estranho ao sistema e reage com fortes alergias ou o bloqueio da ação do remédio.
“O tratamento de hoje é eficiente, mas os efeitos colaterais ainda são um problema. Se há rejeição do corpo, o percentual de efetividade cai. Com a asparaginase de origem humana, não existe essa rejeição. O que queremos com a pesquisa não é só a cura, mas é como o paciente leva o tratamento. Ter sintomas mais brandos é muito importante”, explica Tatiana.
Medicamentos, hoje, são feitos com asparaginase extraída de bactérias (Foto: Centro Infantil Boldrini/Arquivo)
Hoje, no Brasil, cerca de 4 mil pacientes fazem tratamento com a asparaginase bacteriana, importada de países como Alemanha e Estados Unidos e repassada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Na terapia convencional, a asparaginase é administrada junto a diferentes coquetéis de medicamentos, em múltiplas injeções, durante duas das três etapas no tratamento contra a leucemia aguda: a remissão e a consolidação. A possibilidade de cura com o tratamento chega a 90%, de acordo com o Ministério da Saúde.
Como funciona?
O corpo humano desenvolve, naturalmente, uma enzima que controla a asparagina, cuja função também é importante para a manutenção de outras células, saudáveis. Mas, no caso de portadores da LLA, a produção nem sempre é suficiente. Para isso, usa-se a asparaginase.
Quando chega à corrente sanguínea, a substância inibe a produção da asparagina e o desenvolvimento das células. Com o tempo, as estruturas comuns voltam a produzir o aminoácido e seguem vivas, enquanto as cancerígenas não tem a mesma capacidade e morrem.
Segundo a pesquisadora, a asparaginase criada em laboratório se diferencia da orgânica, inerente ao humano, porque consegue se manter em atividade fora do corpo, o que cria a possibilidade do uso em tratamentos terapêuticos.
“A nossa modificação permite que a própria molécula consiga se quebrar fora do corpo, mantendo sua função. Quando percebemos isso, fizemos testes para medir sua capacidade de degradação da asparagina e descobrimos que ela é 40 vezes mais potente do que a normal”, diz Tatiana.
O caminho até o paciente
No caminho até uma possível distribuição como medicamento, a descoberta da asparaginase humana modificada é só o primeiro passo de uma série de testes.
A próxima etapa, segundo a pesquisadora, é incubar a substância com células leucêmicas para analisar se ela é mesmo capaz de matar o câncer e em quanto tempo.
Depois disso, é preciso medir qual dose é capaz de vencer a doença sem provocar reações. Esses testes serão feitos primeiramente em camundongos e devem durar aproximadamente três anos.
Ministério da Saúde importa o medicamento (Foto: Reprodução/EPTV)
Só depois de aprovada na etapa com os animais de laboratório é que a substância pode ser levada à indústria farmacêutica pelo governo.
Um outro problema a ser resolvido é o baixo rendimento da asparaginase de origem humana desevolvida pelos pesquisadores. Hoje, não seria possível produzi-la em grande escala para abastecer a demanda. “Estamos trabalhando para melhorar”, garante a pesquisadora.
Tatiana diz acreditar que todo o processo até que a descoberta chegue à casa do consumidor dure cerca de dez anos, se tudo correr bem.
“É motivador você imaginar que sua pesquisa não vai ficar restrita a um laboratório. Contribuir para melhorar da qualidade de vida da sociedade é o que todo pesquisador da saúde procura. Muitos grupos já tentaram essa modificação em outros países, mas só nós, brasileiros, conseguimos. Quem sabe não influeciamos o mundo todo?”, vislumbra a cientista.
LLA
A Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) explica que a Leucemia Linfóide Aguda ocorre quando os glóbulos brancos que estão se diferenciando dentro da medula óssea sofrem alterações e começam a se multiplicar de maneira desordenada. No caso, o grupo doente é o linfoide, especificamente o linfócito.
Por ser uma leucemia aguda, as células doentes são aquelas ainda muito jovens, também chamadas de imaturas. Na LLA, o crescimento rápido e desordenado dessas células interfere na produção de todas as células sanguíneas. A evolução é bastante rápida, tornando fundamental que o diagnóstico seja precoce e o tratamento se inicie o quanto antes.
Os principais sinais, segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, são:
- Palidez, cansaço e sonolência (resultantes da diminuição de glóbulos vermelhos porque resulta em anemia);
- Hematomas, pequenos pontos roxos na pele (chamados de petéquias) e sangramentos prolongados, devido à baixa de plaquetas;
- Infecções constantes, pela falta de glóbulos brancos;
- Linfonodos e baço aumentados, já que os linfoblastos (células doentes) se acumulam no sistema linfático;
- Dores de cabeça e vômito, provocados por uma possível infiltração das células doentes no líquido céfalo-raquiano;
- Dores ósseas e nas juntas.
A associação alerta para que os pais se atentem a febre, dor óssea e palidez, os sintomas mais comuns na criança com leucemia aguda.
Fonte: Site | G1