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Comunidade no enfrentamento do câncer e das doenças genéticas – por Carmino de Souza e Merula Steagall

O problema é nosso e precisamos conhecer nossos direitos e deveres e participar da construção do sistema de saúde que desejamos

Este texto visa homenagear e ressaltar a atuação de entidades e pessoas que como parte de nossa sociedade civil tentam fazer a diferença no suporte e na defesa dos interesses legítimos dos pacientes portadores de câncer e de doenças genéticas. Ao longo de minha carreira sempre tive um enorme respeito por este trabalho desinteressado e altruísta no sentido de proteger e representar pacientes junto ao sistema único de saúde bem como ao sistema complementar. Grande parte do texto abaixo foi escrito pela Merula Steagall que há décadas luta a boa luta em favor dos pacientes. Muitas outras entidades existem no Brasil com estes objetivos, mas ter a Merula fazendo o seu testemunho contextualiza o tema em sua real dimensão e realidade.

Em 2000, eu era empresária do segmento de importação (utilidades de cozinha) decidi dedicar parte do meu tempo para colaborar com a melhoria, no Brasil, dos tratamentos da Talassemia (severa anemia genética com a qual nasci). Não sabia nada sobre política pública, funcionamento do sistema de saúde, captação de recursos e sai em busca, para entender como as organizações funcionavam.

No Brasil o modelo que tínhamos era essencialmente assistencial, organizações que ofereciam tratamentos, alojamento, transporte entre outros itens muito necessários para as pessoas doentes. No exterior um modelo profissional maduro de educação do paciente e cuidador, definição e defesa dos direitos, engajamento do cidadão para doação e participação na causa entre outros.

Usei minha experiência e oportunidades de viagem que a minha profissão me oferecia para importar e implementar ideias e projetos. Engajamos outros pacientes e familiares, iniciamos um esforço de educação para que todos entendessem sobre a sua doença e as opções existentes de tratamento. Contribuímos disseminando conhecimento também aos profissionais de saúde. Em 2002 por sugestão do então ministro José Serra (que valorizou o fato de ter um interlocutor para as demandas do paciente), apoio dos médicos hematologistas (com os quais estávamos trabalhando) e engajamento de outros pacientes com estas doenças (que convocamos com ajuda dos médicos, de todo o Brasil) fundamos a Abrale (Associação Brasileira de linfoma e leucemia). Fui ampliando minha dedicação na área social e percebendo que bastava ter alguém organizando e apontando sugestões para as demandas não atendidas que mobilizávamos atenção dos gestores para as ações necessárias.

Os avanços que comemoramos nos fortaleciam e incentivam a seguir: centros de referência para os tratamentos da Talassemia, médicos mais seguros sobre o tratamento adequado, inclusão de remédios como os quelantes orais de ferro, Glivec para a leucemia mieloide crônica (mesilato de imatinibe), pagamento do transplante de medula óssea pelos planos de saúde, entre muitos outros. Minha experiência como paciente facilitava a identificação de temas realmente importantes e prioritários para nós. Estudei gestão do terceiro setor e descobri que existia este termo: ‘empreendedor social’.

Para as empresas também era novidade apoiar ações que não eram assistenciais. Nem sempre foi fácil mobilizar os recursos que precisávamos e implementar as ideias que confiávamos ser importantes para os pacientes?. Mas aqui não temos muito espaço para contar os detalhes dos desafios enfrentados. Importante que seguimos adiante com fé e aos poucos construirmos uma organização que em 2022 comemora 20 anos e nosso sentimento é orgulho e gratidão!

Em novembro de 2021, brindamos mais uma importante conquista. A Lei 14.238 estabelece Estatuto da pessoa com câncer– garantindo obrigatoriedade no cumprimento do direito não só a um tratamento digno, correto, multidisciplinar, mas tudo o que é necessário para o restabelecimento das pessoas com a doença. Também no final de 2021, recebemos o reconhecimento de ‘Melhor ONG (organização não governamental) na área da saúde no Brasil’ e isto é resultado de muito trabalho e muita contribuição e colaboração com múltiplos atores.

Em 2008 fui selecionada pela Rede Ashoka como Empreendedora Social para fazer parte de um grupo internacional de empreendedores. Recebi treinamento e pude conhecer no Brasil outras causas que também estavam tendo impacto positivo. Em 2006 fundamos a Rede Alianza Latina, mapeando 30 organizações na região que se empenhavam para ajudar pacientes de doenças hematológicas. Nosso objetivo era replicar modelo de operação e compartilhar, entre os membros melhores praticas. Numa região com cultura e cenário parecidos, podemos trocar boas ideias e assim escalar nosso conhecimento e impacto.

Em 2021, o programa da Alianza Latina comemorou 15 anos e somos 120 organizações com modelo semelhante de operação para doenças DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis) e outras. Uma rede que nos possibilita trocas, compartilhamentos e multiplicação das ideias e impacto. Estou certa de que formamos muitos dos empreendedores que atuam com modelos semelhantes, trazendo ótimos resultados para os avanços necessários na saúde.

Os problemas são complexos e anualmente novos conceitos, desafios e ideias são apresentados. Em 2014 formamos o Movimento ‘Todos Juntos contra o Câncer’, outra iniciativa muito importante de trabalho em rede, valorização das centenas de organizações que compartilham deste proposito e se empenham para melhoria da Política Nacional de Prevenção e controle do Câncer no Brasil. Os desafios enfrentados pela pessoa que tem câncer ou doença genética como a Talassemia, continuam inúmeros e o trabalho cresce e se multiplica a cada ação realizada. Por isto, é imprescindível o envolvimento de todos, engajamento nesta causa, para podermos impactar ainda mais vidas e diminuir as imensas desigualdades existentes na saúde em nosso pais. O governo sozinho não dá conta e não é problema que pode ser solucionado pelas empresas é problema de todos nós cidadãos brasileiros que precisamos conhecer e exercer nossos direitos e deveres. Venha conhecer melhor nosso trabalho e participar da forma que puder. Toda ajuda conta e poder ajudar é um privilegio’

Com este relato, gostaríamos de deixar claro a complexidade e a gravidade deste tema e ressaltar que apenas com os esforços conjugados entre poderes públicos e sociedade é que poderemos ter planos racionais e consequentes no enfrentamento do câncer e das doenças genéticas. É muito importante trazer à sociedade experiências como estas contadas pela Merula.

Sempre, onde pude exercer algum cargo ou alguma influência, procurei ter os pacientes a meu lado entendendo as dificuldades e as possibilidades. Uma sociedade madura é uma sociedade solidária, democrática, participativa e propositiva. Sem raiva, ódio ou preconceitos. Apenas o compromisso de fazer o melhor possível para o bem-estar e a preservação da vida de toda a população.

Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020;

Merula Steagall é presidente da Associação Brasileira de linfoma e leucemia (Abrale) e Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta).

 

Fonte: Hora Campinas

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