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Regulação na saúde: convergência para o aprimoramento em favor de uma política prioritária
Análise aponta distanciamento entre políticas públicas no setor da saúde e necessidades da população
As análises de 2022 sobre as propostas para a saúde dos candidatos à presidência, bem como as ações do governo vencido, apontaram um abissal distanciamento entre as prioridades das políticas públicas setoriais e as necessidades de cuidados à saúde da população brasileira, notadamente em questões de grande impacto público, como as políticas para prevenção e cuidado do câncer. Apesar da saúde ter ganhado destaque após os últimos anos de grandes desafios impostos pela pandemia de COVID-19, a convergência para a boa governança e gestão eficaz da saúde pública, assim como dos serviços suplementares da saúde, ainda são um desafio. Nesse sentido, para onde podemos caminhar? Como a regulação pode convergir para o aprimoramento do sistema de saúde, com vistas às prioridades de uma política de Estado em saúde?
Um sistema com direção única
A partir dos marcos do federalismo brasileiro, a lei 8.080, de 1990, firma o dever do Estado na garantia da saúde, por meio da formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, bem como no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário, com a integração das ações e serviços públicos de saúde, privados, contratados ou conveniados. Com relação à regulamentação da organização, direção e gestão, a lei estabelece que a direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, sendo exercida em cada esfera de governo (arts.2º a 14). Nesse sentido, com relação aos aspectos operacionais do SUS, temos um modelo de governança com foros de negociação e pactuação entre gestores interfederativos (lei 12.466, 2011), e comissões intersetoriais para diversas áreas de gestão, subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Diretrizes regulatórias
O decreto nº 9.203, de 2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública, estabelece como princípio, entre outros, a melhoria regulatória (inciso IV, art.3º) e, desta forma, as diretrizes dispõem que, para editar e revisar atos normativos, deve-se pautar pela qualidade e boas práticas regulatórias, pelo apoio à participação da sociedade e à realização de consultas públicas (incisos, VII e IX, art.4º). Nesse sentido, as competências regulatórias do SUS, incluindo fiscalização e controle, devem ser exercidas plenamente com a participação da sociedade civil, de forma privilegiada em todas as suas instâncias. As deliberações estabelecidas pelo CNS devem ser norteadoras.
Assistência suplementar
Os princípios do SUS devem ser resgatados e reiterados no âmbito da saúde suplementar. A melhoria regulatória deve priorizar a harmonização dos sistemas públicos e privados, sem ignorar a sustentabilidade atrelada à boa gestão – transparência e responsabilização, bem como os impactos de um sistema que é único, cuja saúde suplementar não pode ser considera como uma “saúde” à parte do sistema, antes como serviços complementares, não obstante os aspectos sociais, ambientais, políticos e econômicos. Um dos casos são as divergências na incorporação e acesso de tecnologias e a necessidade de alinhamento técnico. Além disso, a regulação deve perseguir os objetivos da política nacional de saúde, traçados como uma política de Estado, como a prevenção e a atenção primária.
Agenda regulatória
A Agência Nacional de Saúde (ANS) está em processo de elaboração da Agenda Regulatória com vigência de 2023 a 2025. Mas quais seriam os temas prioritários, qual o direcionamento para a atuação da Agência? Na minuta da Agenda Regulatória , entre seus temas, está aprimorar a integração estabelecida entre a Saúde Suplementar e o SUS, convergindo as redes para modelos assistenciais integrados e colaborativos. Este é um importante caminho. Como já destacado, é preciso criar instrumentos para a harmonização e equilíbrio do sistema. Na proposta de Agenda Regulatória, os temas do aprimoramento e das regras afetas a disponibilização de dados e informações da saúde suplementar também são temas que merecem a construção de propostas e ações práticas, que comportem de fato a participação da sociedade civil e as recomendações, com o objetivo de conhecermos a realidade dos serviços suplementares, como os impactos financeiros na melhoria da gestão, para a melhora da tomada de decisão dos gestores públicos e privados.
Podemos convergir para uma política prioritária?
A regulação na saúde pode ser o fio condutor para uma agenda prioritária estratégica que caminhe para o que é realmente urgente, de relevância social e impacto na saúde coletiva. No ano de 2023, notadamente, enfrentaremos um cenário de diminuição expressiva dos recursos públicos atuais já insuficientes que são destinados ao financiamento das ações e serviços de saúde. Esta perspectiva de intensificação do desfinanciamento da saúde pública no país automaticamente traz desafios ainda maiores no âmbito da gestão e da assistência à população. Desta forma, é preciso pautar e fornecer informações qualificadas para orientar os tomadores de decisão a incrementar os níveis de eficiência da gestão, limites e implicações para que a regulação cumpra seu papel, de forma técnica e aprofundada, com uma agenda estratégica que aponte para políticas de Estado, reforçando o dever da saúde suplementar como gestora de saúde para o seu grupo populacional, fazendo parte de um sistema único de saúde e caminhando com objetivos comuns. Afinal, o modelo de assistência integral à Saúde no Brasil é único, com subsistemas que manejam o mesmo cenário de transição epidemiológica, estimativas de prevalência das condições crônicas e comorbidades mais impactantes em termos de saúde populacional e mortalidade, ou seja, independendentemente do locus onde os serviços são oferecidos, natureza dos prestadores destes, todos somos usuários do mesmo sistema e este deve ser aprimorado para garantia da universalidade, equidade, eficiência, inclusão social e sustentabilidade.
Catherine Moura – Médica Sanitarista e CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)
Luana Ferreira Lima – Advogada, mestre em direitos humanos, coordenadora de políticas públicas e advocacy da Abrale
Fonte: JOTA