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Droga para tratar câncer raro está há oito anos na fila para liberação

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Foto: Fábio Braga/Folhapress

Um impasse que se arrasta há oito anos tem impedido o registro no Brasil da droga lenalidomida, usada no tratamento do mieloma múltiplo, um tipo de câncer na medula óssea que atinge cerca de 30 mil pessoas no país.

O medicamento já foi aprovado em mais de 70 países. Sem o registro, tanto o SUS quanto os planos de saúde se negam a fornecer a droga sob amparo da lei federal que proíbe a oferta de remédios sem o aval da agência reguladora (Anvisa).

O entrave tem levado usuários a buscar a lenalidomida por via judicial. Os juízes, em geral, consideram que não há alternativa terapêutica e tendem a conceder liminares favoráveis ao paciente.

Existem ao menos 651 ações envolvendo a substância tramitando em segunda instância nos tribunais de Justiça do país, segundo levantamento feito pela Folha. Um comprimido de 25 mg custa R$ 1.426. Um tratamento por seis meses ficaria em torno de R$ 257 mil.

“O paciente não pode ser privado de um medicamento que pode salvar sua vida por questões burocráticas da Anvisa”, diz o advogado Rafael Robba. Nos últimos dois anos, o escritório em que trabalha ingressou com 13 ações requerendo a droga.

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A Anvisa alega que a demora do registro ocorreu por falhas na documentação apresentada pela fabricante Celgene. Diz ainda que analisa novo pedido de registro. No país, a lenalidomida é indicada quando as terapias convencionais falharam e houve recidiva do mieloma.

Segundo o hematologista Nelson Hamerschlak, do hospital Albert Einstein, a droga é fundamental nessas situações. “É muitas vezes a única opção de a pessoa continuar viva.” Ele diz que menos de 10% dos pacientes vão precisar da substância.

Como o mieloma é um câncer incurável, é importante ter um leque de opções terapêuticas, explica o hematologista Angelo Maiolino, da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia). “O que se busca é ampliar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida”, afirma.

Segundo ele, a lenalidomida, associada a outras drogas, pode até triplicar a sobrevida em relação ao tratamento convencional. Após a aprovação, uma nova luta deve ser iniciada para a incorporação da substância na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS, diz.

Para Hamerschlak, é preciso que o país firme um pacto que permita o acesso às drogas de alto custo no SUS sem a necessidade da judicialização. “Estabelecer critérios muito bem definidos na indicação e limitar a distribuição aos centros de referência é uma forma de racionalizar o uso, de fornecer somente a quem realmente vai se beneficiar delas”, afirma.

Ele diz que há outro problema na área das doenças hematológicas: o das drogas antigas e baratas, que estão sumindo do mercado porque as farmacêuticas não têm mais interesse na fabricação.

DEMORA

O advogado Rogério Oliveira, 46, teve diagnóstico de mieloma múltiplo em dezembro 2012, após meses de queixas de dores e dormência nos pés. Depois de se submeter a um autotransplante de medula óssea, recebeu a indicação da lenalidomida e a obteve por meio de liminar, em 2013.

“Foi um estresse porque, mesmo com a decisão judicial, demorei seis meses para conseguir o medicamento. A cada 21 dias, tinha que buscar uma nova caixa e sempre tinha atraso”, lembra.

Em dezembro de 2013, os exames apontaram que a doença estava sob controle, e a substância foi suspensa. Após a experiência, Oliveira decidiu montar um associação para ajudar pacientes com mieloma. “Viver com uma doença que não tem cura é um peso muito grande. Dividir experiências e lutar juntos por coisas como o acesso ao medicamentos acaba nos fortalecendo”, diz ele.

ATRASADO

Em nota, a Anvisa informa que avalia uma nova solicitação de registro da substância lenalidomida, apresentada pela farmacêutica Celgene Brasil no fim do ano passado. A empresa tenta registrar a droga no Brasil desde 2008. Nos EUA, a substância foi aprovada em 2005, e, na Europa, em 2006.

Também em nota, a Celgene diz que, dessa vez, foram apresentados dados suplementares, além de um plano de minimização de risco, incluindo um programa de prevenção de gravidez, conforme solicitação da Anvisa.

Em 2012, quando indeferiu o pedido de registro, a agência publicou uma nota com os argumentos, mas foi criticada por hematologistas e pacientes.

Segundo a Anvisa, no pedido de registro de novembro de 2008, feito pela Zodiac (representante da Celgene no Brasil), a negativa se deu pela ausência de estudos que apontassem a superioridade da substância em relação ao tratamento vigente desde 2005. O estudo científico apresentado comparava a droga apenas com o placebo.

A exigência é feita quando se deseja registrar um produto como opção de tratamento de segundo nível (quando há falha na primeira opção terapêutica). A Anvisa diz que também não foi apresentado um plano de riscos satisfatório para o medicamento, considerando que seus efeitos são semelhantes aos da talidomida (risco de má formação fetal).

Um dos argumentos era que o mieloma múltiplo acomete mais os idosos e, por isso, o plano de risco não seria necessário. No Brasil, não há estatísticas exatas, mas estima-se que há cerca de 30 mil pacientes em tratamento, sendo que 80% deles têm mais de 60 anos de idade.

“A experiência mostra que a maior parte dos acidentes com uso da talidomida ocorre não com pacientes, mas com pessoas próximas aos pacientes, como mulheres, filhas e irmãs”, disse a Anvisa.

A Zodiac chegou a entrar com recurso pedindo a revisão da decisão, mas, segundo a agência, não foram apresentados argumentos suficientes para alterar a conclusão anterior.

 

Fonte: Folha de S.Paulo

 

 

 

 

 

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