No dia 6 de novembro aconteceu, no Rio de Janeiro, a nona edição do Fórum…
‘Em cinco minutos eu estava curado’: paciente relata experiência com tratamento que o livrou de câncer
Sérgio Eloy Gonçalves eliminou a doença graças a um procedimento revolucionário nos Estados Unidos depois que essa terapia, em fase de teste, foi interrompida no Brasil por falta de verba pública
Era dezembro de 2012 e eu estava com 54 anos quando percebi algumas ínguas em meu pescoço que me incomodavam, mas não a ponto de eu me preocupar. Por isso eu ficava postergando para procurar ajuda médica. Quando elas começaram a ficar doloridas, no início de 2013, decidi ir ao médico, e ele me pediu uma série de exames, entre eles exames de sangue, PET Scan e biópsia. Não demorou muito para eu receber o diagnóstico: estava com linfoma não Hodgkin de grandes células B, um dos tipos mais comuns de linfoma e que costuma atingir pessoas mais velhas. O exame também apontou que eu estava com metástases no fígado, no baço e nos pulmões. O médico foi bem direto: minha situação era complicada por causa do avanço da doença e seria difícil eu conseguir sair dela. Era preciso começar a tratar imediatamente.
Eu não podia desanimar. Sem plano de saúde, vendi terreno, carro, tudo que tinha para poder me cuidar na rede particular. Fiz inúmeros ciclos de quimioterapia e no final daquele ano o médico suspendeu o tratamento porque eu tive uma resposta completa e o câncer, aparentemente, estava controlado. Era uma boa notícia, mas, mesmo sem fazer a quimioterapia, eu mantinha a rotina de exames de monitoramento. Em janeiro de 2017, depois de três anos e meio em remissão da doença, passei a suspeitar de uma recaída porque detectamos alterações nos níveis de plaquetas. Após uma bateria de exames, confirmamos que o câncer havia voltado.
Preocupado com o retorno da doença, decidi procurar o hematologista Nelson Hamerschlak, do Hospital Albert Einstein, que é considerado uma referência no país. Ele pediu mais uma série de exames complementares, mas eu disse que não poderia mais pagar porque já tinha zerado toda a minha reserva financeira – havia gastado cerca de R$ 170 mil no tratamento. Por causa disso, ele me encaminhou para a rede pública, no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), aos cuidados do hematologista Vanderson Rocha, também referência em câncer hematológico.
Retomei o tratamento no Icesp e soube que teria de passar por um transplante autólogo (quando se usam as células do próprio paciente) de medula óssea. Passei por novos ciclos de quimioterapia preparatórios para o transplante, que ocorreu em julho de 2018. Deu tudo certo, fiquei alguns meses me sentindo bem de novo. Mas, após um tempo, os exames passaram a mostrar novos gânglios na região do pescoço. Suspeitamos que o câncer tinha voltado novamente. Em julho de 2019 foi confirmado que o linfoma havia voltado ainda mais agressivo e já afetava meu corpo todo.
Fiz mais quatro ciclos de quimioterapia, mas, dessa vez, meu corpo não reagia ao tratamento e o linfoma não regredia. Os médicos disseram que a única alternativa seria eu passar por um outro transplante de medula óssea, alogênico, com células de um doador. Para minha alegria, meu filho era compatível comigo e ele seria meu doador. Nessa altura eu já estava bastante debilitado, tinha perdido cerca de 36 quilos, sentia muito cansaço, não conseguia mais andar de tanta fraqueza. Para ir até o Icesp eu precisava usar cadeira de rodas. A equipe médica me indicou uma quimioterapia oral para tentar frear o avanço do câncer, sem sucesso, pois esse medicamento me causou um efeito colateral importante, fiquei inchado e com dificuldades para respirar, então tivemos de suspender o uso.
O tempo estava passando, o câncer continuava avançando e meu corpo não reagia ao tratamento. Eu precisava estar minimamente bem para ser submetido novamente a um transplante. As alternativas estavam se esgotando. Foi nesse período que eu soube da história de um paciente de 63 anos, de Belo Horizonte, que tinha um linfoma gravíssimo e que havia passado por uma terapia inédita no Brasil chamada CAR-T Cell, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Ele foi o primeiro e único paciente a receber esse tratamento no país e conseguiu se livrar do câncer (o paciente morreu em dezembro de 2019 em um acidente de carro, mas estava sem a doença). A terapia com CAR T-cell indica que o tratamento usa células geneticamente modificadas para melhorar a resposta imune do paciente no combate ao câncer. Nos Estados Unidos, a FDA, órgão de vigilância sanitária semelhante a nossa Anvisa, liberou a terapia para uso comercial em 2018.
Eu precisava tentar a mesma coisa, pois também estava desenganado pelos médicos. Essa seria minha única esperança. Eu me inscrevi para participar do protocolo de pesquisa em Ribeirão, soube que tinha cerca de 3 mil pessoas inscritas para se submeter a esse tratamento. Meu caso era elegível, mas a pesquisa foi suspensa por falta de verbas. Mais uma vez fiquei sem opção.
‘Os médicos coletaram minhas células, as modificaram geneticamente no laboratório e as reinfundiram em mim no dia 20 de março, o dia que eu considero aquele em que nasci de novo’
Já estava sem expectativas de conseguir o tratamento quando o doutor Vanderson e o doutor Nelson decidiram tentar me incluir em um protocolo de pesquisa CAR T-cell nos EUA, que era coordenado pelo doutor Marcos de Lima, um brasileiro que está em Cleveland. Para minha surpresa, consegui a vaga, e o tratamento seria custeado pelo hospital, mas eu teria uma despesa de cerca de US$ 250 mil (cerca de R$ 1 milhão na conversão do dólar da época) para me manter por lá pelo tempo necessário. Ao mesmo tempo que veio a euforia por ter conseguido uma vaga, eu não tinha mais nada para vender. Como arranjaria esse dinheiro em tão pouco tempo? Eu não podia esperar. Procurei o consórcio de empresas em que trabalho como degustador de cafés e eles me emprestaram metade do dinheiro. Para a outra metade, fiz um empréstimo no banco. Arrumei as malas, e minha esposa não pensou duas vezes e embarcou comigo.
Viajamos em março de 2020, a pandemia do coronavírus já começava a mostrar seus estragos, mas mesmo assim os benefícios do tratamento superavam os riscos de eu me contaminar. Tratar o câncer era mais urgente. Chegamos a Cleveland e fomos internados em uma ala de isolamento. Foi um período muito difícil, a químio preparatória era muito forte, tive muito enjoo, muita fraqueza. Os médicos coletaram minhas células, as modificaram geneticamente no laboratório, e as reinfundiram em mim no dia 20 de março, o dia que eu considero aquele em que nasci de novo. Não demorou nem cinco minutos. Uns dez dias depois o doutor Marcos entrou em meu quarto com um bolo para comemorar: a terapia tinha dado certo. Eu não acreditava. Chorei muito e até hoje choro quando lembro da emoção que senti. Você não tem ideia do que é não conseguir dormir achando que não estará vivo no dia seguinte porque não existe tratamento para sua doença.
Trinta dias depois da infusão, fizemos um exame PET Scan e eu estava absolutamente livre do câncer. Não tinha nada mais em meu corpo. Nada. Eu estava limpo. O resultado foi tão bom que recebi alta e autorização para voltar para o Brasil no mês de maio para dar continuidade ao tratamento aqui.
De lá para cá me sinto superbem, não tenho mais sintoma nenhum, recuperei totalmente minha qualidade de vida, recuperei meu peso, voltei a trabalhar normalmente e a fazer as coisas que mais amo, entre elas pescar e degustar cafés. Continuo com o acompanhamento no Icesp, faço exames de sangue todo mês e nesse período já fiz três vezes o PET Scan, todos deram normal.
Na teoria, não podemos falar em cura do câncer antes de cinco anos de remissão completa da doença, mas tenho certeza de que estou curado. Agora, continuo trabalhando para pagar a dívida que fiz e conseguir trazer esse tratamento para o Icesp, em São Paulo. Eu sigo raspando meu cabelo, para, sempre que acordar e me olhar no espelho, lembrar que tenho essa missão.
Fonte: Época online –