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Os erros e acertos das questões de saúde na novela ‘Bom Sucesso’
Especialistas ouvidos por VEJA esclarecem dúvidas geradas pelo folhetim da Globo, como diagnóstico de câncer e troca de exames
A novela Bom Sucesso, que vai ao ar às 19h30 na Globo, tem dado o que falar. Logo na estreia, a personagem Paloma, interpretada pela atriz Grazi Massafera, é diagnosticada com leucemia aguda. Ao dar a notícia, o médico da clínica onde a moça foi realizar exames de rotina é enfático: Paloma tem apenas seis meses de vida, caso não comece o tratamento imediatamente. O mais estranho é que, além de ser jovem e saudável, ela não apresenta nenhum sintoma.
Por outro lado, Alberto, interpretado por Antonio Fagundes, é um senhor que luta há dois anos contra uma leucemia crônica e fica felicíssimo ao receber a notícia de que está super saudável. Ao menos de acordo com os novos exames. Seu médico pessoal não é tão otimista e estranha o resultado. Para confirmar, solicita novos exames.
No desenrolar dos próximos capítulos, descobre-se que houve uma troca de exames. Paloma recebeu o resultado de Alberto e vice-versa. Mas e na vida real? Trocas de exames são comuns? É possível uma pessoa saudável e jovem como Paloma, que não apresenta nenhum sintoma, ser diagnosticada com um câncer terminal por meio de um exame de rotina? Especialistas ouvidos por VEJA esclarecem essas dúvidas e outros temas de saúde abordados pela novela.
“Trocas de exames realmente acontecem na vida real, mas são raras”, afirma Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). Em um caso como o da novela, no qual o exame de uma paciente jovem e sem sintomas traz um resultado grave como esse, o médico já deveria desconfiar que existe algo errado e solicitar que o paciente repita o exame antes de dar qualquer diagnóstico.
Além disso, especialistas afirmam que um exame básico de rotina não deve ser usado como base de um diagnóstico preciso de uma doença grave e complexa como essa. “Um hemograma com resultados alterados, principalmente em um paciente saudável, fornece apenas a suspeita de uma doença. Ele mostraria alterações celulares que levantam a suspeita de leucemia. Os diagnósticos, assim como a perspectiva de vida, viriam apenas por meio de exames complementares e mais complexos como mielograma, imunofenotipagem e análise genética das células doentes”, diz Breno Gusmão, hematologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A leucemia aguda é extremamente agressiva. Portanto, um paciente com um quadro grave assim apresentaria sintomas que incluem infecções recorrentes, anemia, plaquetas baixas, cansaço, suor noturno, manchas roxas e aumento do baço. Logo, não há motivo para pânico. Se você está saudável e não apresenta nenhum sintoma, não precisa correr para fazer um hemograma por medo de ter um câncer.
Leucemia crônica versus leucemia aguda
Após a troca de exames ser revelada, Alberto descobre que seu câncer mudou de tipo. O que era uma leucemia crônica se transforma em leucemia aguda. E a pergunta que não quer calar. Isso é possível? Novamente, como na troca de exames, sim. É possível. Mas é raro. Inclusive, o Dr. Mauri, médico de Alberto interpretado pelo ator Jorge Lucas, deixa isso claro quando dá o diagnóstico.
A leucemia é um tipo de câncer hematológico, ocasionado por uma proliferação anormal de células da medula óssea. Essas células “defeituosas” se multiplicam e não permitem que as outras células saudáveis do sangue sejam produzidas de forma correta. Essa anormalidade ocorre nos leucócitos, células responsáveis pela defesa do organismo contra infecções.
“A leucemia mieloide crônica é a única que pode se transformar em aguda. Não é habitual, mas pode acontecer devido a falhas no tratamento. E, nesses casos, torna-se uma doença bem agressiva, difícil de tratar”, esclarece Brandão. “Existem vários tipos de leucemia e, portanto, diversos tratamentos. Em um primeiro momento, há muita esperança de cura ou de aumento de sobrevida”, ressalta Merula.
Segundo o especialista, o tratamento atual contra a leucemia mieloide crônica – disponível inclusive no SUS – é extremamente eficaz e mudou a história da doença. “A sobrevida chega a mais de 90%, em 8 anos. Quando não se tinha esse tratamento, era uma leucemia muito agressiva”, afirma o hematologista.
Em relação ao prognóstico de seis meses de vida, Brandão esclarece que, de fato, isso pode ocorrer devido à gravidade da doença, mas algo assim só poderia ser estimado após análises mais detalhadas das características da doença e não por meio de um hemograma simples. “Lembrando que o início rápido do tratamento aumenta as chances de cura”, ressalta Gusmão.
Em comunicado, a Globo afirma que “Bom Sucesso acompanha a redescoberta do valor da vida pelos personagens Alberto e Paloma e se propõe a despertar a consciência para a finitude dos nossos dias e jogar luz sobre a importância de se aproveitar cada segundo do presente. Vale lembrar que novelas são obras de ficção sem compromisso com a realidade. Ao recriar livremente situações que podem ocorrer na vida real, a dramaturgia busca apenas tecer o pano de fundo para suas histórias”.
Felizmente, Paloma não tinha um câncer terminal. Mas outras pessoas jovens como ela ou sem condições financeiras para pagar um bom médico e tratamento podem receber um diagnóstico como esse. Diante dessa situação, Merula ressalta a importância do papel das associações de pacientes, como a Abrale.
“As associações de paciente, de qualquer tipo de doença, oferecem ajuda para o paciente ter acesso a uma segunda opinião, a um exame de diagnóstico mais complexo e preciso, suporte de multiespecialidades durante o tratamento, além de mobilização e trabalho com o governo para melhora da política pública de saúde”, explica Merula.
A vida diante da morte
O restante da trama gira em torno de Paloma ensinando Alberto a curtir os meses de vida que lhe restam e a valorizar mais sua família. Assim que Paloma descobre que vai morrer, ela se desespera e sai atônita, sem saber o que fazer. Logo, decide fazer “loucuras” ou coisas que desejava fazer até então, mas não tinha coragem.
Entre as muitas estripulias, ela se revolta contra as humilhações constantes que sofre na loja onde trabalha, quebra a vidraça do local e é demitida. Em seguida, fica bêbada logo de manhã, sai andando sem rumo e quase é atropelada, liga para o ex-namorado dizendo que o ama e tem uma noite de sexo com um homem que acabou de conhecer.
Alberto, que é rico e dono de uma editora, tem uma péssima relação com a família e uma visão ranzinza da vida. Ao entrar em contato com Paloma, que apesar de ter uma condição financeira pior, é de bem com a vida e super próxima dos filhos, fica encantando com o jeito e a vontade de viver da jovem.
Ele então a contrata como assistente, para que ela lhe ensine a viver com leveza e paixão. “O propósito da novela é trazer um contexto da vida perante a morte. O que acontece com a Paloma quando descobre que vai morrer? Ela passa a viver muito mais intensamente. A vida passa a ter mais sentido quando ela descobre vai morrer. É a primeira vez que o tema da morte como parte da existência humana e de como fazer escolhas mais lúcidas sobre o que fazer com o seu tempo que resta é abordado em uma novela”, diz a geriatra Ana Claudia Arantes.
O enredo tem dado tão certo que a trama chegou ao primeiro mês no último sábado 24 com um desempenho melhor do que as últimas novelas do horário. Em São Paulo, a novela atingiu média parcial de 30 pontos, algo que não acontecia desde 2006 com um folhetim das 7. A última que havia conseguido essa façanha foi Pé na Jaca, de Carlos Lombardi. Já no Rio de Janeiro, a novela atingiu média de 31 pontos, a melhor desde 2012 para o horário.
Fonte: veja.abril