No dia 6 de novembro aconteceu, no Rio de Janeiro, a nona edição do Fórum…
Paquerando com câncer: ‘Um app de encontros salvou minha vida’
Jornalista da BBC conta sua experiência e a de outros jovens sobre ser solteira e, ao mesmo tempo, enfrentar a doença
Fui diagnosticada com leucemia mieloide crônica três anos atrás, aos 27 anos. Eu namorava havia sete meses, quando a falta de ar constante, perda de peso, hematomas inexplicáveis e um dramático resgate de ambulância aérea em uma ilha escocesa levaram ao meu diagnóstico.
Eu disse que meu namorado poderia terminar comigo — naquele momento, ele não fez isso, mas, em janeiro deste ano, nosso relacionamento acabou.
Minha leucemia é uma condição vitalícia que pode ser controlada, embora a medicação diária traga efeitos colaterais como fadiga, dores nos ossos e aumento de peso.
Com o isolamento social, decorrente da pandemia de coronavírus, decidi dar uma chance aos aplicativos de paquera. Logo descobri a parte mais complicada disso, para mim: como contar a um parceiro em potencial que você tem câncer?
Uma rápida pesquisa no Google revelou muitos sites americanos com conselhos para pessoas mais velhas. Isso apesar de 34 jovens adultos (com idade entre 20 e 30 anos) serem diagnosticados com câncer todo dia no Reino Unido.
Então, sem ter encontrado conselhos relevantes para mim, resolvi buscar solteiros com câncer e conversar com eles sobre seus dilemas na vida afetiva.
Emily: preocupação com a falta de cabelo
Emily Frost, de 29 anos, foi diagnosticada em 2016 com câncer de mama, que se espalhou para seus gânglios linfáticos. O tumor foi descoberto cedo, mas, quatro anos depois, ela ainda está lidando com os efeitos colaterais — físicos e mentais — de seu tratamento, incluindo menopausa induzida, fadiga e ansiedade.
A quimioterapia que ela fez também causou queda de cabelo.
“Quando você está presa dentro de casa (no isolamento) e está tão mal, sem senso de normalidade, você quer falar com novas pessoas”, diz ela. “Baixei alguns aplicativos de namoro e usei fotos de quando tinha cabelo.”
Ela conversou com um cara que a convidou para sair. Emily aceitou, depois entrou em pânico quando pensou no assunto da falta de cabelo. Enquanto ela pensava sobre o que fazer quanto a isso, o paquera enviou uma mensagem.
“Ah, a propósito, acabei de raspar minha cabeça!”, contou.
“Eu também!”, ela respondeu.
O casal namorou por três anos até que a saúde mental de Emily começou a afetar seu relacionamento.
“Quando eu estava na minha pior fase, paquerar online e conhecê-lo foi uma injeção de ânimo. Assim que a poeira baixou, percebi que não tinha lidado com os demônios que vinham com o câncer.”
Ela diz que os efeitos colaterais e o “medo do câncer voltar” realmente “mudam você como pessoa”.
O conselho de Emily para quem está afim de paquerar e namorar é: “Vá em frente, mas não se esqueça de que você tem uma mentalidade diferente agora (depois da doença)”.
Kelly: ‘Um aplicativo de encontros salvou minha vida’
Hoje em remissão, Kelly Cheung, de 26 anos, foi diagnosticada com câncer de mama depois de um encontro com um rapaz que conheceu no Hinge, um aplicativo de namoro.
Eles estavam se vendo casualmente quando Tom percebeu um caroço e insistindo que ela procurasse ajuda médica. “Se ele não tivesse feito isso, eu nunca teria sentido ou sabido que (o caroço) estava lá”, diz Kelly.
No hospital, ela foi informada que se tratava de um tumor de grau três — ou seja, bem grande e com potencial para se espalhar para tecidos ao redor.
“Foi por destino que eu o conheci, porque, se eu não tivesse, poderia não estar viva hoje. Então, um aplicativo de encontros salvou minha vida.”
Kelly e Tom continuam amigos, mas ela diz que perder o cabelo e ganhar peso como consequência do tratamento a fez se sentir “pouco atraente” e “com medo” de namorar.
“Como você diz a alguém ‘a propósito, eu tive câncer de mama aos 25?'”, ela se pergunta. “É realmente assustador. Não estou buscando namoro agora. Mas é solitário.”
Neil: ‘Cria-se um diálogo mais profundo’
Neil MacVicar, de 28 anos, trabalha para a Shine Cancer Support, uma organização dedicada a pessoas com câncer que dá cursos sobre paqueras — um trabalho para o qual ele migrou depois que foi diagnosticado com um tumor cerebral, há três anos.
Ele diz que era como um bad boy, confiante nas paqueras, mas o câncer abalou isso.
“Depois do meu diagnóstico, fiz cirurgia e radioterapia, ganhei peso com os esteroides e perdi meu cabelo. Eu me sentia péssimo comigo mesmo.”
Neil foi para alguns encontros, mas sua falta de autoconfiança afetaram o sucesso deles. Então, ele se inscreveu em um curso da Shine.
“Aprendi várias dicas práticas, como não ir para o outro lado de Londres para um encontro, mas tentar ficar nas minhas redondezas. Também não exagerar no visual, e ainda tratar cada encontro como um treino.”
Neil diz que aprendeu a contar que tem câncer logo no primeiro encontro e depois mudar de assunto com uma pergunta — essa fórmula muitas vezes permitia uma maior abertura entre os dois. Se houvesse um segundo encontro, ele revelaria um pouco mais.
“Isso cria um diálogo mais profundo”, relata.
Kirsty: expor doença cria um ‘filtro’
Kirsty Hopgood, de 31 anos, foi diagnosticada com osteossarcoma (câncer ósseo) em agosto do ano passado e concluirá seu tratamento em outubro.
Depois que recebeu o diagnóstico, ela ficou preocupada que ninguém mais se interessaria por ela.
“Tudo muda com a quimioterapia — perdi todo o meu cabelo; eu era atlética e musculosa, mas depois perdi todos meus músculos. Mentalmente, também mudei.”
Antes de ficar doente, Kirsty adorava namorar, então, quando o isolamento social começou, ela decidiu fazer um experimento.
“Fiz um perfil no Bumble com fotos minhas careca e pensei: ‘Tenho força o suficiente para enfrentar a possibilidade de não receber curtidas’. Mas, na verdade, tive uma quantidade semelhante de curtidas (na comparação com a fase anterior ao diagnóstico), apenas filtrou os contatos inúteis.”
O cabelo de Kirsty começou a crescer novamente, então, ela poderia remover suas fotos careca. Mas a jovem diz que “não se sente confortável” em manter o câncer em “segredo”.
Keiligh: o que vem aí para mim?
O câncer é solitário e pode afetar sua autopercepção. Pode parecer que não há espaço para ficadas ou um namoro enquanto você enfrenta consultas, tratamentos e seus efeitos colaterais.
Mas pode ser maravilhoso. Pode ser bom conseguir alinhar essas coisas, saber que alguém te acha atraente ou interessante e te dá a chance de mergulhar na normalidade.
Inspirada por Emily, Kirsty, Kelly e Neil, decidi contar em um dos meus encontros virtuais no isolamento sobre minha condição de saúde, em uma primeira chamada de vídeo.
Fiquei agradavelmente surpresa quando ele não surtou. Ele foi gentil e leve, e combinamos um segundo encontro…
Fonte: Terra – Keiligh Baker – BBC News