Fortalecimento da Conitec é visto com preocupação após decisão do STF sobre judicialização da saúde.…
Fim de atendimento do A.C. Camargo pelo SUS pode atrasar tratamento de câncer, dizem ONGs
Entidades também temem que decisão de hospital em São Paulo resulte em filas
O fim dos atendimentos a pacientes do SUS no Hospital A.C. Camargo, referência em oncologia em São Paulo, poderá resultar no aumento de filas e no atraso de tratamento de câncer, na avaliação de ONGs. Teme-se que também seja prejudicada a formação de profissionais.
Para representantes da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) e do GAPC (Grupo de Apoio a Pessoas Com Câncer), a decisão vai aumentar a pressão sobre um sistema de atendimento já problemático.
“Estamos com o sistema sobrecarregado devido à demanda reprimida da pandemia. As unidades não estão dando conta de tantos pacientes que ficaram em casa ou que não sabiam que tinham câncer e agora precisam de um atendimento de ponta como o do A. C. Camargo”, diz Maira Caleffi, chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente da Femama.
“Essa decisão vai gerar impactos no diagnóstico e tratamento oncológico, ainda que os pacientes atualmente atendidos estejam sendo encaminhados para demais unidades do SUS”, acrescenta a médica sanitarista Catherine Moura, CEO da Abrale. “Hoje, o acesso ao diagnóstico precoce e às terapêuticas é um importante desafio enfrentado pelos pacientes que dependem da saúde pública e qualquer alteração no sistema de atendimento poderá aumentar filas em outros locais, atrasar o tratamento ou até causar descontinuidade em alguns casos.”
Moura diz que a última pesquisa realizada pela associação, com 1.392 pacientes, mostra que em 28% dos casos o primeiro tratamento ocorreu após o prazo de 60 dias estabelecido por lei.
Segundo o levantamento, pessoas com linfoma de Hodgkin passam por diversos médicos na atenção primária, o que gera atraso no encaminhamento ao especialista e no início do tratamento, afetando o prognóstico.
Já o paciente com linfoma não-Hodgkin demora cerca de um mês na busca por atendimento médico e enfrenta dificuldade para realização de exames diagnósticos como tomografia, biópsia do gânglio e biópsia da medula óssea.
“Antes da pandemia, tínhamos melhorado com a lei dos 60 dias, mas todo sistema se voltou para atender Covid e retrocedemos dez anos”, complementa Caleffi.
Para ela, a notícia do encerramento de atendimentos pelo SUS preocupa também pela formação de futuros especialistas, outra área na qual o A.C Camargo se destaca. “O SUS é uma grande escola para profissionais de alta qualidade.”
Carina Motta, assistente social do GAPC, ressalta os efeitos psicológicos nos pacientes que serão transferidos. “O paciente cria um vínculo e confiança na equipe e, ao receber a notícia de que terá de alterar o local de tratamento, pode sentir insegurança e medo até construir um elo com os novos profissionais que o receberão.”
Ela orienta àqueles que forem transferidos a solicitar cópia do prontuário médico e de todos os exames já realizados para encaminhar ao novo hospital.
As representantes destacam, porém, que não se deve culpabilizar o A.C. Camargo pela decisão.
“O poder público necessita rever os modelos de financiamento e remuneração no âmbito do SUS e melhorar na capacidade de gestão pública, visando à eficiência e reduzindo desperdícios para aprimorar a alocação e aplicação dos recursos”, afirma Moura.
Caleffi reforça a ideia. “Fico triste porque é uma incapacidade do sistema de saúde brasileiro não conseguir reter um hospital como o A.C. Camargo e não sabemos quantos outros podem estar nessa mesma situação.”
A esperança, para Caleffi, é que sejam encontradas novas soluções de parceria com o SUS e que o anúncio promova um movimento de mudança no financiamento da saúde e no próprio percurso dos pacientes, com maior atenção à prevenção e ao diagnóstico precoce.
Fonte: Folha de SP