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BH ainda não regulamentou gratuidade nos ônibus para pacientes com câncer

Benefício chegou a ser aprovado pela Câmara no último mês como contrapartida ao subsídio para as empresas do transporte público

Ao perceber um nódulo em uma das mamas, Cleuza Alves de Oliveira, hoje com 48 anos, procurou a ginecologista do centro de saúde do bairro Vila Cemig, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, em 2015. Após diversos exames, foi descoberto o câncer de mama já em nível avançado e rapidamente ela iniciou o tratamento no Hospital Luxemburgo, a quase 13 quilômetros de distância da sua residência. Para além do trauma provocado pelo diagnóstico, Cleuza teria de enfrentar um outro desafio rumo à cura: o transporte para realizar consultas, quimioterapia e radioterapia. Esse é o tema do último episídio da série de podcasts da Mais Conteúdo, de O TEMPO.

Na capital mineira, não há gratuidades para quem precisa fazer tratamento de saúde – salvo os casos enquadrados nos critérios de elegibilidade para transporte sanitário, como o paciente ser acamado, fazer uso de sonda ou oxigênio, ser pessoa com deficiência, não ter condições de se locomover sozinho.

Para Cleuza se locomover de casa até as consultas ou sessões de tratamento precisava dispor de R$ 18 reais por dia. Nos casos oncológicos, é necessário a presença de um acompanhante com o paciente, “Eu precisava chegar bem cedo no hospital e muitas vezes não tinha o dinheiro da passagem. Cheguei a fazer empréstimos para conseguir. E ainda tinha a alimentação, foi bem difícil”, conta. Atualmente, ela vai até a unidade de saúde a cada 21 dias, sem previsão de alta em função da metástase do câncer, que precisa ser monitorado de perto pelos profissionais.

O mesmo drama é vivido por Rejane Monteiro da Silva, 49, que também realiza tratamento contra o câncer de mama no Hospital Luxemburgo. Moradora do bairro Jardim Vitória, na região Norte, o trajeto até a unidade de saúde é de quase 20 km. Quando descobriu a doença, em 2017, o filho tinha apenas três anos.

Para além do gasto com o transporte – quase sempre, ela ia para a quimioterapia sozinha -, Rejane precisava pagar R$ 20 por dia para a vizinha cuidar da criança. “Teve vezes que eu passei mal por não ter dinheiro para me alimentar. Foram até cinco exames em um mesmo dia, chegava bem cedo no hospital”, lembra.

Com os olhos marejados, Rejane se recorda que em uma das consultas, mesmo debilitada por conta da intensidade do tratamento, chegou a descer a pé a avenida Raja Gabaglia até o centro da capital, onde pegava o ônibus direto para o seu bairro.

“Só consegui superar a doença por conta do filho. Eu pensava: “preciso estar viva para cuidar dele”. Em uma das idas, eu não tinha o dinheiro da passagem e fui em um salão perto do hospital que faz um trabalho voluntário com os pacientes. A dona viu a minha situação e me deu R$ 10 para eu fazer um lanche”.

BH já teve lei vetada

Conforme a legislação, o transporte gratuito só tem obrigatoriedade de ser fornecido pelas prefeituras quando a distância da casa do paciente para o hospital é superior a 50 km. Com isso, localidades como Belo Horizonte e região metropolitana muitas vezes não têm políticas públicas para o setor, o que deixa desguarnecidas pessoas como a Rejane e a Cleuza. Um projeto de lei chegou a ser aprovado em 2017 pela Câmara dos Vereadores da capital mineira para garantir o transporte dos pacientes em tratamento, mas foi vetado pelo então prefeito Alexandre Kalil.

Ao longo das recentes discussões sobre o subsídio para as empresas do transporte público de Belo Horizonte, o que viabilizou a retomada das passagens a R$ 4,50, os parlamentares incluíram no texto algumas gratuidades, como para as pessoas em tratamento de doenças como o câncer, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, segundo o presidente da Casa, Gabriel Azevedo, a prefeitura não indicou prazo para regulamentar o benefício. Isso levou o parlamentar a acionar a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.

“Uma das contrapartidas [ao subsídio] que sugeri seria um sistema inteligente que disponibilizaria o bilhete livre para levar o paciente ao equipamento de saúde, sem que ele tenha que esperar muito tempo ou ir para o local errado. A prefeitura disse que seria muito complicado e difícil, mas que poderia começar pelos pacientes oncológicos, cujos dados são mais fáceis de serem obtidos. Todo mundo imaginou que esse processo já seria iniciado durante a tramitação do projeto”, explica Azevedo.

A lei já foi sancionada há quase um mês e as gratuidades ainda seguem sem definição. “A prefeitura já começou a pagar para as empresas de ônibus, mas não regulamentou o passe livre que foi incluído na lei justamente na forma que eles sugeriram. Então não dá para falar que é difícil”, questiona o presidente da Câmara Muncipal de BH. Já o Executivo informou que vai instituir o benefício via decreto ou portaria, mas não informou quando.

‘É preciso avançar mais’

Para a representante regional em Minas da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, Maryane Rodrigues Ferreira, a tarifa gratuita para pacientes oncológicos em tratamento na rede SUS é um avanço, mas é preciso também pensar em outros grupos vulneráveis. “Temos muitos pacientes atendidos pelos planos de saúde, e eles não estão cobertos nessa política pública. Muitas vezes, a pessoa tem acesso ao plano por conta da empresa em que trabalha e também não tem condição de pagar o transporte”, justifica.

A presidente da Associação de Prevenção do Câncer na Mulher e Integrante da Comissão Minas Contra o Câncer, Mônica Bessa, acrescenta que muitos pacientes chegam a escolher entre arcar com os custos de transporte para fazer o tratamento regularmente ou colocar comida em casa. “É uma decisão muito dura, imagina uma pessoa que ganha um salário mínimo ou até menos, como um auxílio-doença, e que precisa ir para o hospital por 20 a 30 dias seguidos, além do acompanhante. Se precisa de duas conduções, vai ter dinheiro para as outras necessidades dele? Principalmente a mulher pode até abrir mão e abandonar o tratamento”, disse.

Além disso, Mônica frisa que o abandono do tratamento gera prejuízos para os cofres públicos. “Quando um paciente deixa de fazer alguma etapa do tratamento, no retorno ele vai precisar fazer algo mais caro e muito mais pesado. Ao invés de 15 quimioterapias, pode necessitar de 15”, exemplifica.

O TEMPO procurou o Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Consems-MG) para comentar, de maneira geral, como é a realidade do transporte de pacientes em tratamento de câncer em outras regiões do Estado, sem sucesso.

(Episódio 1) Quem me leva: falta de transporte impacta tratamentos de saúde

No primeiro episódio da série “Quem me Leva?”, um dado estatístico que impressiona e preocupa: um em cada três pacientes em tratamento contra o câncer deixa de ir às consultas por não conseguirem transporte. É o que alerta a presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia da Regional Minas Gerais, Annamaria Massahud Rodrigues, que enfatiza ainda que a situação pode até reduzir as chances de cura. Histórias como da Viviane Ramos, que há oito anos luta contra a doença e sofre com a falta de um transporte gratuito.

(Episódio 2) Quem me leva: um direito assegurado pela Constituição

Só em 2015 que o acesso ao transporte passou a ser considerado um direito social previsto na Constituição. No segundo episódio da série “Quem me Leva?”, o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), Francisco Christovam, explica mais sobre essas garantias previstas na legislação – algo que se fosse cumprido à risca pelas políticas públicas, teria tornado menos desafiador o tratamento de pessoas como a Rosimiria Brandão, 60, que foi diagnosticada com câncer de mama. E quem a acompanhava durante todo esse processo de idas e vindas a hospitais era o filho, que à época tinha apenas 9 anos de idade.

(Episódio 3) Quem me leva: desafios de sair do interior para tratar em BH

No terceiro episódio da série “Quem me Leva?”, falamos dos problemas enfrentados por quem vem sai do interior para fazer tratamento em Belo Horizonte. De um lado, o desafio dos pacientes; de outro, o desafio de quem os carrega. Geralda Carvalho de Souza, 48, mora em Ipatinga e se desloca semanalmente para Belo Horizonte para tratar um câncer. Uma distância de 300 quilômetros. No caminho, ficaram gastos além do que ela podia pagar e muitas dívidas.

O desconforto e as longas esperas dentro de carros parados na rua não são problemas vividos somente pelos pacientes. O motorista José Geraldo Correia, 51, de Maravilhas, na região Central de Minas, também reclama da falta de estrutura, como vaga para estacionar, banheiros e local para descanso.

(Episódio 4) Quem me leva: quanto mais perto, mais difícil

Para quem vive a menos de 50 km da unidade de saúde em que faz tratamento, a legislação não traz nenhuma obrigatoriedade de transporte gratuito. Essa é uma situação que traz dificuldades e transtornos para quem vive em regiões metropolitanas ou capitais como Belo Horizonte, principalmente para a população em situação de vulnerabilidade. No quarto episódio, histórias como da Rejane Silva, de 49 anos, que precisava percorrer um trajeto de menos de 20 km para fazer o tratamento no Hospital Luxemburgo. Muito debilitada, ela chegou a voltar parte do percurso a pé durante a quimioterapia.

 

Fonte: O Tempo

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