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Estudo da USP mostra como a dengue se desenvolve em pacientes com doenças hematológicas
Considerada uma das maiores coortes já realizadas em indivíduos com essa condição, pesquisa alerta para a necessidade de campanhas de vacinação exclusivas
Em 2024, o Brasil viveu uma epidemia histórica de dengue. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram mais de 6 milhões e 600 mil casos prováveis da doença (cerca de ⅓ do registrado nos últimos 25 anos), com 5.873 mortes.
Em meio à explosão de casos, médicos do Instituto Central (IC) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) decidiram investigar como a infecção por dengue se comportava em pacientes com doenças hematológicas (que afetam o sangue, a medula óssea, o baço e os linfonodos). Os resultados trouxeram mais informações sobre o desenvolvimento e os desfechos da doença para este grupo.
As doenças hematológicas são aquelas que comprometem a produção dos componentes do sangue, como as hemácias (glóbulos vermelhos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaquetas, geradas na medula óssea. A dengue, por si só, pode causar alterações no sangue, como leucopenia (número de leucócitos abaixo do normal), linfopenia (baixa concentração de linfócitos), plaquetopenia (baixa contagem de plaquetas) e manifestações hemorrágicas, que podem levar a complicações graves, como choque hemorrágico e falência múltipla de órgãos.
Já é sabido que indivíduos com doenças hematológicas possuem mais chance de desenvolverem dengue grave, mas os sinais de alerta baseados em contagem e células sanguíneas são de difícil avaliação. “A evolução de parâmetro hematológico e de enzimas hepáticas é uma descrição com poucos relatos na literatura”, explica Karina Tozatto, médica hematologista do Hospital Dia da Hematologia do HC e uma das líderes da pesquisa.
“Nós queríamos saber o que acontece com a dengue nesses pacientes, já que era um período com muita gente infectada”, diz Vanderson Rocha, professor da FMUSP e coautor da pesquisa.
O estudo retrospectivo observacional (que analisa informações do passado para identificar a relação entre fatores de exposição e desfechos) foi realizado com 34 pacientes adultos que procuraram atendimento no Hospital Dia de Hematologia do IC, de março a junho de 2024. Essa é, até o momento, uma das maiores coortes de dengue para pacientes com doenças no sangue.
Perfil dos pacientes
A maioria dos pacientes (56%) era mulher com idade média de 38 anos: 11 tinham doença falciforme, sete tinham síndrome mielodisplásica, quatro tinham síndrome mieloproliferativa, três tinham púrpura trombocitopenia imune, duas tinham hemofilia e sete outras patologias do sangue. Além disso, 29% tinham doença hepática subjacente prévia, principalmente hematrocromatrose secundária, e 62% outras comorbidades (veja quadro abaixo).
Patologias dos participantes
- Doença falciforme: de origem genética e hereditária, altera a forma dos glóbulos vermelhos do sangue, que assumem a forma de uma foice.
- Síndrome mielodisplásica: Grupo de doenças caracterizadas pela produção anormal de células sanguíneas na medula óssea;
- Síndrome mieloproliferativa: Distúrbios nos quais as células-tronco da medula óssea crescem e se reproduzem de maneira anormal;
- Púrpura trombocitopenia imune: Distúrbio em que os anticorpos se formam e destroem as plaquetas do corpo;
- Hemofilia: Distúrbio genético e hereditário que afeta a coagulação do sangue;
- Hematrocromatrose secundária: Doença que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de ferro no organismo.
Na admissão, 85% deles apresentavam dor muscular, 53% dor nas articulações, 88% febre, 65% dor de cabeça e 9% exantema (erupção na pele). Com relação às complicações da dengue, 9% apresentavam insuficiência hepática prévia.
Dois deles, ambos com doença falciforme, foram internados em UTI. Um desenvolveu necrose da medula óssea e morreu por falência múltipla de órgãos. A autópsia mostrou tromboembolismo pulmonar e êmbolos na medula óssea em vasos pulmonares. “Tivemos esse óbito documentado com os achados de autópsia, isso traz um pouco mais de novidade para a gente entender a fisiopatologia da dengue na doença falciforme e como que aconteceu esse óbito”, relata Karina.
O outro apresentou hepatite isquêmica, infecção bacteriana secundária, mas recebeu alta após 31 dias de intervenção.
Prevenção
As principais opções para prevenir a dengue são a vacinação, a eliminação dos focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti e o uso de repelentes. A vacina disponível no SUS é a Qdenga, um imunizante que protege contra os quatro sorotipos da doença produzido a partir do vírus vivo atenuado, ou seja, do microrganismo infectado, mas enfraquecido.
Segundo Karina, os resultados deste trabalho acenderam um alerta: é necessário estabelecer um protocolo de vacinação voltado exclusivamente para pacientes com doenças hematológicas. Contudo, a vacina não é indicada para pacientes oncológicos. “Sabemos que a imunidade de pacientes oncológicos é prejudicada e eles podem fazer uma dengue vacinal caso recebam o imunizante”, alerta Vanderson.
O professor Vanderson disse ao Jornal da USP que a criação de um teste molecular para doadores de sangue evitaria o desenvolvimento de dengue transfusional, que ocorre em alguns casos. “Não existe hoje uma maneira de testar esses voluntários”, ressalta.
Os cientistas também analisaram dados de pacientes em tratamento no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), mas aguardam a recepção de mais informações para finalizarem o estudo. A ideia é escrever um artigo com todos os achados e submeter a uma revista científica.
Um resumo sobre esse trabalho foi divulgado na revista Blood, publicada pela Sociedade Americana de Hematologia, e pode ser lido aqui.
Fonte: Jornal da USP.