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Leuginase não mostra eficácia e oferece risco às crianças com câncer, aponta pesquisa da UFRS
Pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), completaram os testes com a L-asparaginase chinesa (Leuginase) oferecida pelo Ministério da Saúde a hospitais da rede pública para o tratamento da leucemia linfoide aguda (LLA). O estudo, aceito para publicação na edição de agosto da revista The Lancet Oncology, mostra que a medicação, que tem estado nas manchetes da imprensa brasileira desde o início 2017, não tem eficácia para combater a doença e, ainda, oferece risco às crianças e adolescentes em tratamento.
A substância passou a ser utilizada no ano passado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da LLA após decisão do Ministério da Saúde de importar o produto em caráter emergencial. Alvo de críticas do Conselho Federal de Medicina (CFM) por não ter a eficácia comprovada nem registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Leuginase chegou a ter a compra e distribuição proibidas pela Justiça Federal, atendendo recomendação do Ministério Público Federal (MPF).
Risco-benefício
De acordo com a pesquisadora principal, Mariana Bohns Michalowski, os riscos associados ao uso da Leuginase podem ser caracterizados pela maior possibilidade de recidiva, cerca de 60%. Segundo ela, os pacientes que utilizaram o medicamento disponibilizado pelo governo antes de 2017, a Aginase, tiveram benefícios em termos de tratamento, com valores que demonstram atividade superior a 75%, enquanto que a droga chinesa tem valores ao redor de 2%.
“Esta relação risco-benefício é totalmente desfavorável ao uso da Leuginase, comparativamente a Aginase”, destacou ela, em parecer encaminhado à Comissão de Ética em Pesquisa do HCPA, onde atua. A partir das constatações, a equipe do Serviço de Oncologia Pediátrica da instituição recomendou que as informações fossem comunicadas à Gerência de Risco do Hospital, ao Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (Notivisa) da Anvisa e ao próprio Ministério da Saúde para providências.
O objetivo inicial da pesquisa, segundo explica Mariana, era implementar o teste de laboratório para medir a atividade da asparaginase plasmática para melhorar os cuidados em pacientes com LLA neste centro de referência no sul do Brasil. As amostras foram coletadas de 19 crianças e adultos no hospital universitário, entre abril e dezembro de 2017. A figura ao lado, apresentada pelos pesquisadores, mostra as concentrações da L-asparaginase plasmática, durante a indução em três pacientes.
Doença ativa
Segundo os pesquisadores, nos meses de acompanhamento, seis pacientes morreram, cinco com doença ativa no grupo que usava apenas a Leuginase. O tempo médio entre o diagnóstico e a morte foi de oito meses. De modo geral, avaliam, esses achados representaram um cenário preocupante em que, apesar de o sistema público de saúde seguir o melhor protocolo disponível, os pacientes podem ter alto risco de um desfecho indesejado.
“Nossos resultados podem ajudar os formuladores de políticas a estabelecer estratégias adequadas que forneçam tratamento eficiente para pacientes com LLA. Esses dados são locais, mas universais. Como muitos países de baixa e média renda não monitoram regularmente a qualidade e eficiência dos medicamentos antineoplásicos, nos perguntamos qual é o impacto esperado na saúde”, concluem.
O caso
Até o início de 2017, os medicamentos distribuídos pelo Ministério da Saúde para o tratamento da LLA foram provenientes dos Estados Unidos e da Alemanha, que, segundo especialistas, tinham comprovado grau de eficácia e segurança, de até 80% de chances de cura nos grandes centros do Brasil. Em janeiro daquele ano, no entanto, o Ministério comprou a asparaginase chinesa (Leuginase), do laboratório Beijing SL Pharmaceutical, representado pela empresa uruguaia Xetley S.A.
O órgão não fez licitação, valendo-se da lei que permite a dispensa em caso de emergência ou calamidade pública. Foi feita uma pesquisa de preços entre quatro laboratórios estrangeiros e escolhido o produto chinês, que ofereceu o menor preço. A importação do novo remédio despertou preocupação entre especialistas, entre eles Silvia Brandalise, oncologista pediátrica, coordenadora do Grupo Brasileiro de Tratamento da Leucemia na Criança (GBTLI) e presidente do Centro Infantil Boldrini, de Campinas (SP).
O Hospital é referência nacional no tratamento do câncer e doenças do sangue de crianças e adolescentes, e foi uma das unidades que se recusou a utilizar o lote distribuído pelo governo brasileiro, adquirindo com recursos próprios o medicamento da Alemanha. “Comprovadamente, a Leuginase não tem a eficácia necessária para combater a LLA. Os resultados dos testes em crianças foram piores que os encontrados na experimentação com animais, feita em Campinas. Agora, só resta contar os mortos dentre cerca de 6.000 crianças tratadas com esta nefasta droga”, criticou Silvia Brandalise.
Comenda
A especialista, que em 2014 recebeu do CFM a comenda Zilda Arns – Medicina e Responsabilidade Social, é autora da denúncia que, após a exibição da reportagem, chegou ao conhecimento do Conselho Federal de Medicina. Segundo dados epidemiológicos nacionais, anualmente cerca de 4.000 crianças brasileiras são diagnosticadas com LLA e dependem deste medicamento, que não é fabricado no País.
“O mais importante, todavia, ressalta que não é a falta de produção nacional, mas a não observância dos requisitos mínimos de eficácia e segurança de um medicamento distribuído para a população. Se caracteriza como grave imperícia médica e grave improbidade administrativa, se distribuir um medicamento sem estas prerrogativas fundamentais. Na vida não há recall”, destacou a especialista.
Fonte: Site | CFM